Se por um lado as novas tecnologias modificam e melhoram o dia a dia das pessoas trazendo inúmeras facilidades, o uso de aparelhos celulares trouxe forte impacto no dia a dia do trabalhador bancário.
Por um lado, facilitou a comunicação com diminuição de custos, brevidade e rapidez entre os clientes e o seu Gerente. Contudo, por outro lado, a vida de inúmeros gerentes foi impactada não só dentro da jornada de trabalho mas também fora jornada, pois os atendimentos aos clientes passaram a colocar esse trabalhador em constante sobreaviso todos os dias do mês, inclusive em finais de semana.
A orientação dos gestores é no sentido de dar o melhor atendimento aos clientes do banco, ficando sempre disponível inclusive fornecendo o celular pessoal aos clientes. Há casos em que o próprio banco não fornece o aparelho e orienta que devem ficam 24h disponível para qualquer “emergência”.
Ocorre que onde era para ser uma exceção, tornou-se regra e cada vez mais os atendimentos, solicitações e pedidos passaram a ser feitos pelo uso do “Whatsapp”, sobrecarregando ainda mais a extensa jornada do trabalhador bancário.
A caracterização do sobreaviso está elencada no artigo 244,§ 2º da CLT, e corresponde a obrigação do empregado permanecer em sua residência a disposição do empregador, sem poder exercer livremente seu direito de descanso pleno, ou poder deslocar-se para outro local. Neste sentido, é visível o cerceamento do direito de lazer e mesmo de ir e vir que o reclamado causou a reclamante, já que bancário não tem a obrigação de estar em prontidão a serviço do banco quando em gozo do descanso da jornada trabalhada.
De acordo com o artigo 244, § 2º da CLT:
“Considera-se de “sobreaviso” o empregado efetivo, que permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço. Cada escala de “sobreaviso” será no máximo, de 24 (vinte e quatro) horas. As horas de “sobreaviso” para todos os efeitos, serão contadas à razão de 1/3 (um terço) do salário normal […]”.
O citado artigo inicialmente foi aplicado apenas à categoria dos ferroviários, mas a evolução da jurisprudência trabalhista referente à jornada de trabalho e do princípio da proteção do trabalhador, atualmente, entende pela aplicação do regime de sobreaviso às demais categorias de trabalhadores tutelados pela CLT.
A Súmula nº 428 do Tribunal Superior do Trabalho dispõe a esse respeito que “verbis”:
“SOBREAVISO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 244, § 2º, DA CLT I ‐ O uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa ao empregado, por si só, não caracteriza regime de sobreaviso. II – Considera‐se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso.”
No caso do trabalhador bancário, quando o empregador orienta em reuniões que o trabalhador permaneça a prontidão para os clientes do banco, a qualquer momento, aguardando ser chamado pelo celular, via aplicativo “Whatsapp” e outros, torna-se devido o pagamento das horas laboradas a título de sobreaviso. A jornada virtual “sem limites e escalas” atrapalha passeios e momentos em família, além da supressão dos períodos de descanso agravar o grau forte de estresse que já é típico na categoria dos bancários.
Outro aspecto comum em relação ao uso do “Whatsapp” são as cobranças de metas as quais tornaram-se prática corriqueira no meio bancário. Diversos gestores, de forma abusiva, encaminham inúmeras e reiteradas mensagens ao trabalhador bancário, cobrando produção e distribuindo metas pelo aplicativo, o que representa verdadeiro assédio. Existe inclusive vedação desse tipo de prática pelo parágrafo único, da cláusula 36ª da Convenção Coletiva da Categoria 2015/2016 da FENABAN, veja-se:
Cláusula 36ª – Monitoramento de resultados. […] Parágrafo único. É vedada, ao gestor, a cobrança de cumprimento de resultados por mensagens, no telefone particular do empregado.
Seja para atendimento de chamado de clientes ou retorno a gestores quanto à produção e resultados, quando ocorreu fora da jornada de trabalho, é devido pagamento do tempo como horas de sobreaviso com o intuito de garantir o respeito aos limites do horário estabelecido no contrato de trabalho e garantidos pela CLT e Constituição Federal/1988.
Pois, admitir-se o tangenciamento da liberdade do trabalhador de livremente fruir seu tempo de descanso, sem a contrapartida pecuniária daí advinda, fere, de modo absoluto, o sinalagma contratual, bem como o direito à saúde, pela violação do repouso. Chancelando o enriquecimento indevido do empregador às custas da recuperação da higidez física e mental do trabalhador bancário.
A Organização Mundial da Saúde indica como principais fatores de produção de stress no trabalho, o cumprimento de jornadas imprevisíveis, fora do horário normal ou em turnos mal concebidos, dando ensejo a comportamentos disfuncionais e não habituais e, em situações de maior gravidade, causando problemas psíquicos irreversíveis e incapacitante para o trabalho. Destarte, a aplicação do regime de sobreaviso no caso de uso de aplicativos como “Whatsapp”, e outros do gênero, em horários fora da jornada de trabalho, é medida protetiva apta a resguardar o empregado de cargas exaustivas de trabalho.
Autora: Tania Leticia Wouters Anez. Advogada especialista em Direito do trabalhador bancário, especialização em Direito Público, Mestre em Direito pela UENP. Advogada sócia do escritório A.RODRIGUES – Sociedade de Advogados.